Ontem (18) hoje (19) e, além de abril, todos os
dias, sempre:
Manuel Bandeira, Monteiro Lobato e Antero de Quental aos vivos
Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a
linha do horizonte?
-- O que eu vejo é o beco.
MANUEL BANDEIRA: Como não lembrar do morro do Curvelo, seu
quarto num beco e a estonteante e vertiginosa paisagem do Rio que se abre de
uma imensidão e beleza... "Simples e pobríssimo poeta lírico", como dizia
de si, poeta de temperamento introspectivo, voltado ao recolhimento íntimo, em busca
da vida circundante, da descoberta do outro. Bandeira sempre atento à
poesia disfarçada e errante, despercebida numa notícia de jornal, numa frase
ouvida no bonde... Todos os dias a poesia reponta onde menos se espera.
A perspectiva surrealista: "Hotel
Península Fernandes"
O haicai numa fórmula de cosmético: Água de rosas / Ácido bórico / Essência de mel de
Inglaterra
O bicho que viu entre os detritos numa página
do cotidiano.
Vi ontem um bicho
Na imundice do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho,
meu Deus, era um homem
*** ***
De
MONTEIRO LOBATO E ANTERO DE QUENTAL publiquei há alguns anos uma crônica, que
penso ser atualíssima e praticamente a transcrevo.
Até há pouco
os ideais marchavam à frente, e muitos de nós os perseguíamos como costumam os
cães fazer. Os ideais eram sólidos e palpáveis, e não nos queixávamos do médico
que nos curara da loucura. Temos tantas razões hoje para recusarmos os grandes
ideais que suspeito ser esta a razão de sermos indiferentes à história e, pior,
tristemente liberados de toda obrigação para com ela, se obviamente isso fosse
possível.
Quando os
traficantes de penas e essências chegam dia a dia à fortaleza da selva
amazônica trazendo notícias de comércio e violência, carregando arranha-céus
dentro de valises, os altíssimos lucros não bastariam para devolver a muitos de
nós as velhas crenças? E aí mano, o que que tá pegano? Os ideais não se
reencantam novamente nas bocas dourando a existência para um real que não fosse
só vaidade. De que tu estás a falar, ô gajo?
Cada um de
nós pensa ser tantos apelos que mal cabemos em nossa subjetividade
autoafirmativa de quereres e (a)fazeres. No limite, muitas vezes se experimenta
tanta multiplicidade e fragmentação que à aceitação do diferente não
corresponde um lastro de sanidade. Nacionalismos extremados e radicalismos de
direita estão na ordem do dia na Europa e na América Latina. Homofobia e
misantropia de fundo patológico ganham prestígio nas redes de relacionamento na
internet. Assustador!
Lobato e Antero:
arianos talvez não muito típicos (segundo as representações astrológicas),
coragem e heroísmo impulsionaram suas vidas. Intelectos avantajados pelo
estudo, homens de aguda consciência política e militância. Cada um em seu tempo
e lugar de atuação (Brasil e Portugal) foi intelectual engajado em grandes
causas. Ambos homens públicos influentes que compartilharam o fogo e o espírito
prometeico. Combativos extremados, titãs solitários: o português Antero de
Quental e o brasileiro Monteiro Lobato. Ambos nascidos a 18 de
abril, data instituída aqui como Dia Nacional do Livro Infantil e
do Editor. E...
... a
literatura é um complexo de palavras com foros de impasse, porque sempre está a desvelar a realidade que se oculta e a nos provar que o que se desvela é dinâmico e multifacetado... O século XX não
acabou ainda. O XIX é aquele cadáver ignorado no armário que as midiáticas
atenções vez ou outra iluminam.
Um país se faz com homens e livros, disse um. O
outro: – Não vos queixeis, ó filhos da ansiedade, // Que eu mesmo, desde toda a
eternidade, // Também me busco a mim... sem me encontrar.
*** ***
Vale a pena
lê-los, ou esquecê-los?